sábado, 20 de dezembro de 2025

Sísifo




Mais um dia que começa,

do labor, do rechaço,

do cansaço que me assola;

esgotado, eu subo e empurro.


Já não mais me aguento;

sob o sol que me escalda, a vida esvai.

A cada gota de suor, vou morrendo;

chego ao topo com a noite — e a pedra cai.


Outro dia chegando,

meu estômago revirando

do desespero que me consome.


O trabalho recomeça.

O esgotamento, a morte, recomeçam

no eterno fardo deste homem.


(Fernando M)


Só mais um dia, só mais uma semana, só mais um mês, só mais um ano. E assim seguimos, como formigas, como Sísifo, num esforço vazio, mas infinito.

sábado, 13 de dezembro de 2025

Mar em chamas




Mais uma vez esta torrente,

asfixiante, me inunda a mente,

como a maré, me afoga a razão,

tal qual os goles apagam a paixão.


Sinto o forte sol a calcinar, 

o suor do rechaço a me encharcar, 

tal calor que turva a visão, 

incendeia as chamas do coração. 


Desesperado, eu fico acordado, 

queimando o peito em angústia;

o estômago revira, em renúncia. 


Agoniado, eu sigo amedrontado, 

do fracasso eminente, a loucura, 

grito desesperado, temendo a recusa. 


(Fernando M.)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Flor silvestre

 

Alva é tua tez, qual neve ao amanhecer,

que o vento toca como um suspiro.

Vejo em teu sorriso a luz do saber,

em teu silêncio, o contemplar do ser.


Teus olhos brilhantes, lânguidos como a lua,

não escondem — demonstram.

Refletem segredos que o tempo não viu,

prometem o que nunca foi dito.


Em teu gesto mora a ternura,

ainda que não falte a doçura —

esta permanece.


E ao teu olhar compreendo:

há belezas que não clamam atenção,

mas refletem a plenitude de um coração.


(Fernando M.)

sábado, 15 de novembro de 2025

Ao homem que portava a luz.




Atravessou a curta vida,

como quem caminha sobre um lago de vidro:

cada passo foi frágil,

cada movimento, preciso,

e ainda que seus reflexos fossem ternos,

não mensuravam a dor em seus gestos.


Você foi assim:

Trazia no rosto um sorriso quentinho,

como aquele sol numa manhã de inverno,

como as gentilezas raras que sobrevivem aos dilúvios,

e que nas costas, carregava mundos,

música, histórias, ideias que brilhavam como estrelas,

nossas constelações particulares.


Eu era criança

mas a infância tem seu próprio modo de lembrar:

lembra pelo afeto,

pelo tom gentil da voz,

pelo sorriso ao colocar uma música dançante no disco,

você existia com delicadeza,

como se fosse possível amparar um universo inteiro

em seu abraço.


O tempo passou,

a saudade aprendeu a caminhar comigo;

outrora, você era um senhor,

agora eu sou mais velho que você quando partiu.

Não pesa mais como antes,

mas pulsa, uma constante,

um lembrete brando de que há presença

enquanto eu carregar em meu peito

sua presença.


Hoje não mais busco compreender,

nem tento costurar os retalhos para entender.

Assim, guardo o que ficou:

o silêncio bonito entre uma música e um sorriso,

os domingos de manhã assistindo desenhos e joguinhos,

a força discreta da sua ternura,

outrora a aurora que iluminava nossas sombras,

tão forte e ofuscante, que escondiam a penumbra de suas lutas.


É assim que escolhi lembrar:

pelo fim, não,

mas pela luz que você espalhou

em cada pessoa que amou.


E essa luz,

essa sim,

não se extingue.


(Fernando M.)


Hoje faz 34 anos e 14 dias da sua partida. Hoje não tem métrica, quase não tem rima, porque é realmente a saudade que aperta e fica. Obrigado por toda gentileza, pela fantasia de Jaspion, pelos discos, por me mostrar the cure, eu te vejo do outro lado. O homem que portava mais luz, andava sempre nas sombras.

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Orquídea




Singela flor, nascida entre silêncio e fel,

Desfolhas a manhã com tua doçura.

Teu lume acende em terra, céu e alma nua,

E o ar te cerca em brando e manso véu.


Em tuas cores mora o sonho e mora o mel,

No leve aroma a vida se mistura.

És chama em calma, és sopro, és formosura,

Milagre breve em corpo tão fiel.


Olhar-te é ver o amor, em flor, completo,

É ouvir da terra o mais antigo afeto,

Que o tempo em vão não faz calar.


E ao te pensar, flor pura, etérea, fria,

Sinto que em mim renasce a poesia —

E o coração aprende a amar.


(Fernando M.)

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Retrato

Eu sou a ordem milimétrica e insana do caos,

A ferrugem da respiração da criança,

E o olhar no limite vertical do precipício,

Sem mais perfumes para que meus sentidos,

Tenham gostos nas paginas brancas da lembrança,

Tenho alegria no ranger dos dentes

E mórbida inquietação afetuosa,

Meu coração pulsa em azul e preto

No claro tersol do dia e no blecaute

Da noite,

Eu respiro ambos ares,

Numa boca que só aceita um,

Meus gritos seguem,

Minha alegria segue,

A ordem exata,

Da palidez límpida,

De uma manhã

De primavera,

Num sol de quimera.


(Renato Flief)


Em 2005, pedi pra um amigo de internet, que também escrevia poesia me descrever em um poema, uma pena termos perdido contato, mas suas palavras estarão para sempre comigo.

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

A montanha e eu

Subi sem mapas,

apenas com o peso do meu corpo

e o silêncio dos meus pensamentos.


O vento me perguntava quem eu era,

a pedra respondia com dureza,

e eu, apenas, seguia.


Cada passo doía,

mas não mais que o que eu deixara lá embaixo.

O cansaço não era o inimigo —

era parte do caminho.


No meio da subida,

o mundo ficou pequeno,

e eu, por um instante,

me senti maior que o medo.


No topo, não houve aplausos,

nem bandeira, nem medalha.

Apenas eu, nessa montanha,

olhando um para o outro,

como dois velhos que finalmente se entendem.


(Fernando M.)