terça-feira, 8 de julho de 2025

Ela e o Tempo

Falei quando o céu já pendia,

com a luz atravessando de lado.

Nem sombra, nem chama —

só um eco mal acomodado.


Te vi por um fio de instante,

mas o vento empurrou minha voz.

Era breve demais,

era tudo por um triz entre nós.


Não houve resposta. Só vento.

Ou o peso de coisa não dita.

A rejeição que veio depois

parecia já ter sido escrita.


Talvez fosse outra a estação,

outra margem do mesmo rio.

Talvez teus passos seguissem

onde o meu se despede, vazio.


Agora, nem sei se há ponte,

ou se apenas deixei passar.

O que havia em minhas mãos

não quis — ou não quis ficar.


Se couber algo no depois,

se vem, também, não sei de onde.

O que restar, se vier,

só virá quando for — responde.


(Fernando M.)

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Ao meu querido amigo Wanderley


Lembro bem de quando nos conhecemos,

mas é como se sempre estivesse ali.

Era um amigo para todas as horas,

sempre nos fazia sorrir.


Com as portas sempre abertas

e um sorriso de ofuscar faróis,

foi o melhor de todos os amigos,

tal qual um tio, um pai ou um avô.


Saudades de sua gentileza,

com as palavras mais amigas —

eram essas as mais queridas,

sempre entregues com alegria.


Você era sol em dia de chuva,

casa quando estávamos na rua.

Mas a vida extinguiu sua chama,

na chuva que a lágrima insinua.


Aprendi contigo a ser sereno,

como a brisa fresca do vento,

que leva embora o sofrimento,

curando devagar o lamento.


Das páginas da lembrança, agora,

quase todas brancas, indagava:

partiria sabendo que faria falta?


Às vezes olho o céu em silêncio,

recordando seu sorriso tão terno —

em minha mente, agora, é eterno.


(Fernando M.)


Talvez eu não tenha tido tempo de te dizer adeus, mas me dei tempo pra me perdoar por não ter feito o suficiente pra te fazer sentir que a vida valia à pena e talvez eu precisasse de quase 20 anos pra encontrar palavras o suficiente pra te dizer o quão importante você foi em vida. onde quer que você esteja, meu amigo, eu espero que esteja sempre sorrindo, pois ninguém tinha um sorriso tão brilhante e gentil quanto o seu.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

A Valsa do Diabo

Mais uma gota escorre de meus lábios

Sinto seu gosto fúnebre.

fui convidado a um baile,

não fui avisado que era de máscaras


Desnudo, estou sem minha face

pessoas sorriem sem rosto

dançam sem corpos, gargalham sem boca,

seus olhos me engolem como num vórtice.


O salão gira em sombras disformes,

sussurros arranham os vitrais da memória.

sou um espectro entre espectros,

mas onde está a minha máscara?


Meus dedos tateiam o vazio,

buscando um rosto que não reconheço.

as máscaras me cercam, me sussurram,

como se quem conta um segredo.


O espelho à frente me encara mudo,

seu reflexo dança sem me pertencer.

se não há máscara,

como vou me esconder?


As faces sem rosto me julgam

me usurpam, parece-me que o

convite fora uma armadilha,

cada olhar esconde uma navalha.


Sou diluído no breu do salão,

meu corpo, fragmentado,

sem nome, esquecido, um eco do passado.

Agora ninguém, outrora um fracassado.


As máscaras gargalham sem som,

com seu vazio sufocante

padeço, desfaleço,

anunciam a morte deste errante.


O baile continua, indiferente

desavisados, chegam mais convidados

"MAS E EU?" Agora um fantasma,

a dançar a valsa do diabo.


(Fernando M.) 

quinta-feira, 17 de abril de 2025

A morte do Nunca




Morreu o Nunca — sem velas, sem pranto,

num suspiro doce, entre sonho e encanto.

Ninguém sentiu falta do que nunca foi,

mas o mundo sorriu quando ele se foi.


Em seu túmulo florido, brotou o talvez,

e com o amanhã dançou uma última vez.

Cansado de si, calou-se o Impossível,

e o agora sorriu por seu fim tão sensível.


O mundo sabia: algo mudou.

O medo do erro, enfim, se calou.

Cresceu em meu peito um silêncio sereno,

feito espaço vazio — fértil e pleno.


Da morte do Nunca, o Sempre nasceu,

não como promessa, mas algo que é meu.

A cada escolha, um planeta a girar,

na roleta do tempo que insiste em amar.


A morte do Nunca, Jamais foi encontrado:

o Nunca caiu — enfim libertado.

Da entropia, do acaso, da sombra e da luz,

floresce a vida — sem começo ou cruz.


(Fernando M.)

sexta-feira, 11 de abril de 2025

A hora do demônio




Três e trinta,

a lua cheia irradia,

escutou o eco da noite,

sentiu gelar sua espinha,

não conseguia mais dormir.

Levantou-se e abriu a janela

sentiu um vento forte

ecoando em tom funesto,

o relógio martelava os segundos

como pregos que perfuram fundo.

Os olhos refletiam a lua

outrora dourada como a aurora,

agora soturna, um augúrio profundo,

sentou-se na cadeira,

tamborilava os dedos na mesa

Por quê estava tão inquieto?

Três e trinta e três,

o dourado lunar agora é um mar de sangue

com fendas negras pulsantes

escutou uma voz rasgando o silêncio

com um sorriso estridente.

O chão tremeu sob seus pés,

sombras escorriam pelas paredes,

longos dedos das sombras se estendem,

O relógio já não mais bate segundos—

um silêncio, viscoso, irreversível.

Os ponteiros girando ao contrário,

pareciam desenhar um símbolo.

Três e trinta e quatro,

tomado por desespero, correu para a porta

precisava confirmar se era real ou pesadelo,

a maçaneta não girava e o ambiente

encolhia, parecia que apertava.

Tentava gritar e não conseguia

então rezou três Ave Marias.

Sentiu um nó na garganta,

A voz não saía, até que a noite se desfez.

Deitado em sua cama, abriu os olhos,

balançava a cabeça e girava os olhos em agonia.

Mas não havia mais nada,

O relógio ainda martelava,

eram três e trinta e cinco,

e a lua ainda brilhava dourada.



(Fernando M.)

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Lamento do silêncio




Eu não sabia que sonhava

somente que sentia,

e a cada dia passado,

parece que não mais sabia,

quem ou quando eu seria.


As horas se arrastavam,

devagar, doloridas,

um minuto durava anos,

e as horas, tão sofridas,

me afogavam em agonia.


Num sussurro esquecido,

floresceu uma mentira,

envenenou o meu âmago,

a vileza só crescia,

despedaçou a minha vida


O reflexo no espelho,

reflete dor e devaneio

lembranças de amar,

de esperança, não!

Cabem o medo e o desprezo


E agora sigo só,

sem rumo, sem alento,

uma sombra a ecoar

sobrevivendo ou vivendo?

Onde viver significa lamento.


(Fernando M.)

terça-feira, 11 de março de 2025

A Raposa e o Pato.

Ato I - Uma aliança Improvável.


Era uma terra de velhas canções e raízes profundas, onde as árvores sussurravam ao vento e os riachos murmuravam histórias esquecidas. O Bosque da Esperança, como era chamado pelos mais antigos, estendia-se sob o céu pálido como um tapete de musgo e sombras. Ali, entre galhos retorcidos e clareiras banhadas de luar, vivia uma criatura astuta e solitária: Lia, a raposa dourada.

Seu nome era falado em tom de cautela entre os pequenos do bosque. Não havia animal que não conhecesse sua inteligência afiada e sua astúcia sem igual. Lia era veloz como uma flecha e silenciosa como o cair da folha no outono. Mas tão grande quanto sua esperteza era a solidão que carregava, pois ninguém ousava chamá-la de amiga.

Diferente dela era Fausto, o pato errante, uma criatura desajeitada que caminhava como se cada passo fosse um desafio à própria natureza. Suas asas, curtas e desorganizadas, raramente sustentavam seu voo, e suas palavras eram tão simples quanto sua alma era grandiosa. Mas se lhe faltava destreza, sobrava-lhe bondade, pois Fausto jamais deixava um companheiro padecer de fome ou sede.

Certa manhã enevoada, Lia observou o pato em sua costumeira tolice: compartilhava migalhas de pão com um esquilo faminto e uma tartaruga idosa. A raposa, oculta entre as folhagens, arqueou as sobrancelhas. "Que presa ingênua", pensou. "Será fácil tomar para mim o que ele tão generosamente entrega aos outros."

Aproximou-se com um ar calculadamente dócil.

Ora, Fausto! Que bom coração tens… Não negarias alimento a uma pobre raposa exausta, não é?

Fausto, sem hesitar, estendeu-lhe um punhado de grãos e frutas.

O que há de bom deve ser dividido, Lia, é a verdadeira alegria da vida. O bosque é vasto e há de suprir a todos.

Lia pegou a oferta, mas algo estranho a deteve. Não havia medo nos olhos de Fausto, nem suspeita. Apenas sincera generosidade. Sentiu, pela primeira vez, que talvez houvesse algo além de jogos e artimanhas.

Os dias passaram, e a raposa passou a caminhar ao lado do pato, sempre com o pretexto de observá-lo, entender sua tolice — ou talvez, embora não admitisse, apreciar sua companhia.


Ato II - O flagelo


Foi então que sobreveio a grande seca. O bosque, outrora verdejante, tornou-se um campo ressequido, e o riso dos riachos calou-se sob o peso da poeira. Os animais, enfraquecidos, murmuravam temerosos.

Lia, que sempre confiara apenas em si mesma, percebeu a gravidade da situação. A fome ela poderia suportar; mas a sede, ah, a sede não perdoava. Ela sabia que, se a água não fosse encontrada, o bosque inteiro pereceria.

Fausto, há um curso de água escondido em algum lugar, disso tenho certeza. Mas não poderei encontrá-lo sozinha.

O pato inclinou a cabeça.

O que faremos, então?

Minha astúcia e olfato nos guiará, tua habilidade na água nos levará onde minhas patas não podem alcançar.

Lia subia às árvores mais altas para avistar vestígios de um antigo riacho, enquanto Fausto nadava nos poucos lagos remanescentes, explorando fendas e túneis submersos.

Dias se passaram, e a esperança vacilava como uma chama ao vento. Mas então, numa tarde em que o céu pesava com promessas de tempestade, Fausto emergiu de um túnel subterrâneo com olhos brilhantes.

Lia! Há um riacho oculto sob as pedras, profundo e fresco!

A raposa, arfando pelo cansaço, correu até o local indicado. Com suas garras afiadas, escavou a terra seca, e pouco a pouco o líquido cristalino rompeu o solo, brotando como a própria essência da vida. Fausto, exasperado, foi buscar os castores para quebrar a barragem natural e trazer de volta vida ao bosque, que outrora murcho e silencioso, despertou com a notícia. Outros animais vieram de todas as partes, e juntos, abriram um caminho para que o riacho fluísse novamente. A água correu entre as raízes das árvores, trazendo de volta o verde e o canto dos pássaros.

Naquele dia, algo mudou entre Lia e Fausto. A raposa, que um dia pensara em enganar o pato, percebeu que a amizade verdadeira era um tesouro muito maior do que qualquer vantagem passageira.

E o pato, que sempre acreditara no bem, viu que até um coração ressequido pela desconfiança podia ser tocado pela luz da amizade.

Desde então, caminharam lado a lado, não mais como caçador e presa, mas como companheiros de jornada. E os sussurros do bosque jamais deixaram de contar sua história, pois Lia, e Fausto, tornaram-se lendas entre as raízes do bosque.


(Fernando M.)