quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Vinte e sete

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Vinte e sete.
Uma última música no disco;
Vinte e sete.
Um último cigarro acesso;
Vinte e sete.
Deitou-se na cama e apagou todas as luzes;
Vinte e sete.
Uma vida de dor e sofrimento, mas nunca sem um sorriso gentil;
Vinte e sete.
Trocou o oxigênio por gás, deixando que os pulmões se inundassem;
Vinte e sete.
O sorriso gentil perdeu para angústia que encobria;
Vinte e sete.
Partiu os corações dos que o amavam;
Vinte e sete.
Uma solução permanente para um sofrimento temporário;
Vinte e sete.
Anos de luto e lágrimas;
Vinte e sete.
Anos de luta e mágoa;
Vinte e sete.

(Vinte e sete anos de saudades)

(Fernando M.)

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Capítulo IX - Louros aos que caíram.


Sempre ouvi que as pessoas só dão valor para outras pessoas quando as perdem; que até que alguém morra, e diga-se de passagem, tornar-se-à uma espécie de santo (ao padecer), não possui valor algum para os que a rodeiam.
Assisti esse filme inúmeras vezes: pessoas morriam, pessoas que fingiam se importar, mas que nunca estiveram presentes enquanto aquele que partiu estivera vivo, em prantos e se lamentando pela perda "irreparável", se ao menos foi, durou somente até seguirem o caminho de volta do velório para nunca mais manter contato com aqueles que realmente foram afetados no dano colateral; contudo, enquanto vivo (a), não possuiu valor algum, tampouco era requisitado ou lembrado pelas pessoas, às vezes rejeitado, pela própria família, cônjuge, pais e até mesmo filhos, mesmo àqueles a quem sempre prestou apoio e atenção, geralmente só recebia o desprezo frívolo e egoísta, comum entre os homens; mesmo quando recorria, de modo desesperado à qualquer um dos quem ajudou, escárnio e desprezo eternos, mas nada de novo sob o sol. Eis que então, este ser débil, que desanima da existência a cada vez que é rejeitado pelas pessoas que dizem lhe amar, apoiar e querer sempre o bem deste, por ter cansado-se de sentir só e desolado na maior parte do tempo, com o coração já em cinzas, apesar de a mente, que por mais cansada que esteja, ainda sóbria e ativa, resolve dar-se uma última chance de aliviar seu tormento: "foi um prazer imenso servir com vocês, mas é chegada minha hora de descansar; me perdoem pelos planos que se frustraram, e pelas pendências que lhes deixei, obrigado por tudo. "
Dá-se, assim, o fim desta existência patética, adeus.

(Fernando M.)

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Uma canção sobre o tempo





Em sonhos te vejo sumindo
Me vejo morrendo distante
Perdido, te assisto de longe,
Devagar, desvaneço no tempo...
No espelho o olhar tem seu nome,
Seu sangue escorre em meu peito;
Nas noites me vejo morrendo,
Teus beijos jogados ao vento...
Evoco sua imagem em minha mente,
Corremos, mãos dadas na chuva
Toco seus lábios em sonhos,
Te enterro com as minhas mãos nuas...
Feridas estampadas no corpo,
Medalhas de lutas antigas;
Lembranças de vidas distantes,
São marcas forjadas no tempo.


(Fernando M.)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O sétimo filho.




Meio-dia, o sol escaldante, uma multidão descontrolada, e cá estou eu, com a corda no pescoço, esperando o padre rezar o "pai nosso" para minha sentença de morte. E por que isso tudo?
 Dois dias atrás, também não saberia te dizer o por quê, e, exceto pelo fato de que os cavalos não param de gritar e se debater nos estábulos (como se sentissem o mal que carrego), eu diria que é porque sou o sétimo filho da sétima filha, e cresci a vida toda ouvindo as pessoas dizerem que meu pai é o próprio diabo.
 Por causa disto, passei a vida todo recluso ao porão dos meus pais, praticamente sem contato com as pessoas. Vez ou outra eles me levavam à cidade para me comprar roupas ou algum brinquedo, não que eles me odiassem, eu conseguia sentir nos olhos deles, era medo, puro e irracional, o mesmo medo que o porco sente quando o açougueiro se aproxima com o cutelo, pronto para fazê-lo sangrar até o amargo fim; passaram-se alguns anos, e a falta de luz conferiram-me um ar de doente, minha pele era pálida, como uma madrugada de inverno, e meus olhos, escuros tão escuros e profundos quanto o abismo que habita o interior de cada ser humano. Ao completar 14 anos, meus pais já não acreditavam que eu fosse uma ameaça, e deixaram que eu me mudasse para a parte de cima da casa, onde eu tinha um quarto com uma estante de livros (modesta, admito) e uma janela grande, a qual me serviu muito bem para admirar o sol se pondo e a lua subindo...
 Ah, a lua! Tão bela e resplandecente a beijar minha face nas noites mais solitárias, com sua mágica fascinante, como uma sereia cantando em meus ouvidos "Venha pra mim, meu doce filho", mas então eu me lembrava das histórias, e sempre recusava seu chamado; este, que foi ficando cada vez mais atraente e sedutor, até que não pude recusá-lo e entreguei-me de corpo e alma ao doce cântico da Nêmesis do dia, sentindo minha pele rasgando e meu sangue fervendo, a adrenalina injetada em cada parte do meu corpo; a sede de sangue crescendo em meu âmago. Mal pude controlar o êxtase que corria dentro de mim, enquanto dilacerava minhas irmãs e meus pais, bebendo e festejando sob o sangue quente, ouvia os animais guinchando desesperadamente tentando fugir da minha presença aterradora.
 Rendi-me à besta, destruí, dilacerei e dancei sob os cadáveres mutilados de meus familiares sob a luz pálida da mãe da noite, alimentei-me do sangue e da carne que me trouxe ao mundo, e então corri livre pela noite, cruzei sete cidades, sete cemitérios e sete igrejas. E então, ao amanhecer, adormeci, acordei confuso, sujo e cansado, banhado em sangue e vísceras, não tardou muito até o xerife me encontrar junto com seus homens e me trazer à forca.
 A corda apertando meu pescoço, as pessoas me apedrejando, e esconjurando minha presença e o Padre, logo após rezar o pai nosso virou-se para mim e disse: - Esqueceu-se do rosto do seu Pai, bastardo do diabo? Pois hoje, em nome do único e verdadeiro Deus, envio você de volta para o lugar de onde veio, cria do inferno!
 - Adeus, vida.



(Fernando M.)