quinta-feira, 28 de março de 2024

Oppe og ikke gråter




Eu ouvi de um conhecido que na Noruega, quando te perguntam como vão as coisas, se responde "em pé, e sem chorar". Acho engraçado, não importa o quão ruins estejam as coisas, você não está chorando, e também não desistiu. É engraçado pensar em como a natureza nunca desiste, certa vez vi um gato matando um inseto, e ainda que ele quebrou as asas e tinha só uma pata inteira, ainda tentava debilmente sair do lugar como se tivesse que fugir e viver o máximo que pudesse, o mesmo vale para animais, para pessoas. Décadas atrás, quando eu ainda era uma pessoa completamente diferente do que me tornei, presenciei um acidente de carro terrível, e o homem no meio das ferragens, sem metade do corpo, sobreviveu e balbuciava por ajuda, os braços debilmente tentavam segurar partes do corpo que iam caindo junto com o sangue que escorria, mas ele não desistia, se apegava à vida. Eu ando pelas ruas e vejo pessoas morando nas ruas, ainda que eu mesmo já tenha estado nessa situação, hoje em dia tenho um teto acima de mim, assisto de longe as pessoas e como elas fazem literalmente qualquer coisa que conseguirem para seguir em frente e sobreviver, o quão longe uma pessoa é capaz de ir pela sobrevivência? Eu vejo nos jornais, pessoas que não tem o que comer há semanas, e a pele esticada sob os ossos e seus olhares famintos que engolem tudo que podem com sua falta de brilho, animais que ao perceberem que são caça ou que vão para o abate se tornam completamente insanos, o apego à vida é uma força quase que sobrenatural. Disse Bernard Cornwell em um dos seus livros "Tirar uma vida é uma tarefa extremamente difícil" e eu nunca entendi como é possível ter um apego tão imenso à vida, ser tão resiliente, uma força inexorável que sai do âmago e te faz viver à qualquer custo.  Eu sempre fui o contrário; sempre procurei o máximo de oportunidades que podiam me fazer partir da vida, sempre achei que existir era sofrer, que respirar era tortuoso e que se a morte viesse, seria a amiga mais bem vinda à visitar. Ainda assim, após 3 minutos de parada cardíaca, me trouxeram de volta, funcionando ainda melhor do que antes, voltei sem sequer saber que parti, mas também não pedi para voltar, ainda assim, estou aqui, e não há solidão ou angústia que me faça sumir. Sinto como se tivesse criado raízes, não em algum lugar, mas na existência em si. De todas as coisas da vida, a ironia é a maior delas, pois eu, que sempre quis partir da vida o mais rápido possível, continuo aqui. Em pé e sem chorar.


(Fernando M.)

segunda-feira, 4 de março de 2024

A falta


Às vezes eu sinto muita falta.

Das pessoas, dos lugares, 

das coisas, das conversas, 

sinto muita falta, de tudo. 


Sinto falta do tempo que morei longe da cidade grande, dos sorrisos genuínos e das pessoas simples, que amavam a vida sem muita profundidade, com aquele conformismo simplista de que as coisas são como são, e de que o mundo é do jeito que é, sem grandes ambições, com um pouquinho de fé religiosa e um monte de disposição, continuam sua luta diária, sinto muita falta.


Sinto falta de sentar numa pedra e ficar observando a imensidão do oceano, de saber como sou tão pequeno diante de um mundo tão populoso e vasto, e como meus problemas são tão insignificantes e voláteis num planeta tão grande, ouvindo o som das ondas quebrando, com a certeza de que o nosso tempo é do tamanho de um grão de areia, como eu sinto falta. 


Sinto falta de olhar pro céu e ser capaz de ver estrelas, de perceber que o universo é tão vasto que até mesmo esse planeta imenso é só um anão se comparado à tamanha vastidão universal, absorver as estrelas com os olhos e perceber que nossa vida é mais ínfima que a estrela que explodiu somente pra brilhar por uma eternidade, ainda que sua luz esteja eternizada em meus olhos, que falta eu sinto!


Sinto falta de um par de olhos que nunca vi, mas que eu sei, carregam em seu brilho todos os mistérios da criação e tem a força de um buraco negro e a luz de um sol, que me ofusca e me inunda, ao mesmo tempo que engole completamente todo o meu ser, refletindo de volta toda a força e vitalidade da qual preciso para sempre seguir em frente, realmente, eu sinto falta. 


Sinto falta de todos os sentimentos mais verdadeiros e dos olhares mais honestos, das risadas e da sensação de estar completamente ébrio sem nem sequer um gole ter chegado aos meus lábios. De ouvir aquela voz angelical e sentir meu coração em disparada, do calor das mãos dela e o som de tambor dos nossos corações batendo em uníssono, e então, acordo desolado e atônito, eu sinto tanta falta.


Às vezes eu sinto tanta falta,

desse alguém, destes lugares, 

das conversas e dos olhares, 

ainda que seja pura fantasia, 

sinto falta do que eu sonhava. 


(Fernando M.)