quinta-feira, 11 de junho de 2020

Capítulo V - Colheita de cinzas



Sempre vi as pessoas falando sobre o quão problemático era gerar expectativas e nutrir esperanças, "o solo de amanhã pode ser infértil para sonhos plantados hoje" e apesar de tudo, sempre perseverei, nutrindo somente , mas sempre por colher fatos. Acho incrível o imenso poder que a humanidade possui em transformar fuligem em sonhos e vice-versa; vi pessoas cultivando esperanças para colher somente desgraça e tragédia enquanto que outras simplesmente semeavam somente mentiras e ódio perseverando sobre todas as outras, reinavam entre a plebe.

Não são todos que enxergam as coisas do modo que acontecem, cansei-me de ver a chama no olhar tornando-se desespero quando as coisas não ocorriam de acordo com as expectativas e os planos simplesmente desmoronavam como castelos de cartas; quantas vezes não ouvi lamúrias noturnas daqueles que se afogavam no álcool e no ópio para conseguir dormir e livrar-se das lágrimas? Já não há mais dedos para contar tais fatos, pois os que caíram estão amontoando-se e abarrotando a boca do abismo. A esperança é o modo mais puro de tolice, um sentimento que se atrelado à um fator que indique a necessidade de cooperação externa, torna-se automaticamente um convite para uma morte lenta e sofrida, como adormecer no banho e afogar-se até a morte na banheira, ou sufocar com o próprio vômito durante o sono.

Eu observo os tolos montando suas piras incendiárias de esperança há anos, a graça e leveza de seus movimentos a trabalhar em um projeto de alto calibre como este, um imenso trabalho e esforço empregados para montar as piras incendiárias para simplesmente vê-las consumidas de modo tão ínfimo, que às vezes eles mal possuem tempo para processar todo o desespero que engole a chama em seus olhos ao acabar-se o combustível do povo, sempre fiz o possível para manter-se longe deste tipo de empreendimento, pois já vi as consequências destes incontáveis vezes; os pobres diabos realmente se esforçam para ver tudo reduzido à uma mera pilha de carvão e restos.

E eu, depois de tanto lamentar a tolice daqueles que construíam fogueiras para manter suas plantações protegidas da praga que contamina os sonhos, sem perspectiva alguma de conseguir ajudá-los, na primeira vez em que cultivei minha esperança, encontrei-me de olhos famintos e opacos em meio às cinzas de minha própria colheita.

(Fernando M.)

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