quarta-feira, 4 de junho de 2014

Capítulo II - O abismo que nos separa.




 Um dia eu li em algum lugar, que quando se encara um abismo por muito tempo, o abismo te encara de volta, mas não acho que seja assim que as coisas funcionam; quanto mais tempo se encara um abismo, mais tempo demoramos para nos distinguir como avulso à ele, é esta a grande verdade da vida, nós somos criaturas falhas, maculamos tudo pelo que passamos, e todos a quem tocamos, como uma grande doença que se espalha lenta e inexorávelmente, matando aos poucos pequenos organismos, que por sua vez contaminam organismos maiores ainda...
 Mas o que eu dizia mesmo? Ah! Há um abismo imenso que separa cada ser humano um do outro, e às vezes até de si próprio; alguns não são capazes de enxergá-lo, à mesma medida que outros não enxergam nada além desse abismo; há pessoas que fazem de tudo para cobrir essa distância e conseguir chegar até si próprias, mas esquecem-se das bestas que habitam dentro de sua consciência, e então, num lampejo, perdem-se totalmente dentro da escuridão que há entre seus demônios e o vazio que as separa do resto do mundo, tornando-se amargas e hostis consigo mesmas e com todas as outras que as rodeiam, sem perceber que estão aumentando mais e mais o abismo que há entre elas e os outros.
 Dizem que o abismo te olha de volta, mas é mentira, você se torna o abismo, você adere a ele vagarosamente, deixando de lado, cada parte do que um dia foi ou sonhou ser. O abismo, como uma besta simbiótica, te consome vagarosamente enquanto te protege do monstro que habita sua mente; pouco a pouco, você se deixa cair em sua infinitude, sem sequer notar que agora não passa de um quase.
 E eu, cansado de assistir tantos caindo, percebi que não há o que temer, pois há muito, ele já nos engoliu; é só uma questão de tempo até que você o perceba...


(Fernando M.)

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