sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Ironia da Carne

Morri sem som, sem luz, sem despedida,

voltei como quem acorda do sono,

três longos minutos sem sinal de vida.

a morte durou menos que um sonho.


A vida escorre como um rio,

um animal ferido que se arrasta,

um emaranhado de lágrimas e riso,

um caminheiro seguindo pela estrada.


Eu, que pela morte busquei em toda vida,

que via na existência, sinônimo de fadiga,

retornei ileso, isento de sofrimento.


Ganhei uma nova chance de respirar,

De permanecer em pé, e sem chorar,

manter o fogo aceso, sem cair no esquecimento.


(Fernando M.)


Hoje faz 2 anos desde que tive uma parada cardíaca de 3 minutos durante uma cirurgia, o médico já havia desistido, mas a enfermeira se recusou a me enterrar e se esforçou o máximo que pode pra me trazer de volta, funcionou. Logo eu, que sempre quis ir embora da vida o mais rápido que eu pudesse, continuei aqui, voltei ainda mais resistente do que antes e significantemente menos deprimido do que outrora. Ironias à parte, é engraçado como sempre nos apegamos à vida, mesmo que inconsciente, em minha mente, já havia partido, mas meu corpo, apesar de não ter resistido, reagiu e não desistiu.

terça-feira, 22 de julho de 2025

Samuel

Samuel, às vezes,

um gole de fel te incendeia.

Tal qual o absinto, desce queimando,

como a paixão que em teu peito permeia.


Mas é chama que afaga e destrói,

é beijo que fere e embriaga,

entra doce e sai fatal,

tal qual o canto da sereia.


Teus olhos dançam com o abismo,

entre o desejo e a impaciência,

carregas em ti o perigo

de uma chama que incendeia.


Fez da dor sua melodia,

com cordas que tocam o céu,

ilustram vossa agonia.


És sopro que o vento disfarça,

eco de um sonho que se esvaia,

luz que no éter se agarra.



(Fernando M.)

terça-feira, 8 de julho de 2025

Ela e o Tempo

Falei quando o céu já pendia,

com a luz atravessando de lado.

Nem sombra, nem chama —

só um eco mal acomodado.


Te vi por um fio de instante,

mas o vento empurrou minha voz.

Era breve demais,

era tudo por um triz entre nós.


Não houve resposta. Só vento.

Ou o peso de coisa não dita.

A rejeição que veio depois

parecia já ter sido escrita.


Talvez fosse outra a estação,

outra margem do mesmo rio.

Talvez teus passos seguissem

onde o meu se despede, vazio.


Agora, nem sei se há ponte,

ou se apenas deixei passar.

O que havia em minhas mãos

não quis — ou não quis ficar.


Se couber algo no depois,

se vem, também, não sei de onde.

O que restar, se vier,

só virá quando for — responde.


(Fernando M.)

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Ao meu querido amigo Wanderley


Lembro bem de quando nos conhecemos,

mas é como se sempre estivesse ali.

Era um amigo para todas as horas,

sempre nos fazia sorrir.


Com as portas sempre abertas

e um sorriso de ofuscar faróis,

foi o melhor de todos os amigos,

tal qual um tio, um pai ou um avô.


Saudades de sua gentileza,

com as palavras mais amigas —

eram essas as mais queridas,

sempre entregues com alegria.


Você era sol em dia de chuva,

casa quando estávamos na rua.

Mas a vida extinguiu sua chama,

na chuva que a lágrima insinua.


Aprendi contigo a ser sereno,

como a brisa fresca do vento,

que leva embora o sofrimento,

curando devagar o lamento.


Das páginas da lembrança, agora,

quase todas brancas, indagava:

partiria sabendo que faria falta?


Às vezes olho o céu em silêncio,

recordando seu sorriso tão terno —

em minha mente, agora, é eterno.


(Fernando M.)


Talvez eu não tenha tido tempo de te dizer adeus, mas me dei tempo pra me perdoar por não ter feito o suficiente pra te fazer sentir que a vida valia à pena e talvez eu precisasse de quase 20 anos pra encontrar palavras o suficiente pra te dizer o quão importante você foi em vida. onde quer que você esteja, meu amigo, eu espero que esteja sempre sorrindo, pois ninguém tinha um sorriso tão brilhante e gentil quanto o seu.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

A Valsa do Diabo

Mais uma gota escorre de meus lábios

Sinto seu gosto fúnebre.

fui convidado a um baile,

não fui avisado que era de máscaras


Desnudo, estou sem minha face

pessoas sorriem sem rosto

dançam sem corpos, gargalham sem boca,

seus olhos me engolem como num vórtice.


O salão gira em sombras disformes,

sussurros arranham os vitrais da memória.

sou um espectro entre espectros,

mas onde está a minha máscara?


Meus dedos tateiam o vazio,

buscando um rosto que não reconheço.

as máscaras me cercam, me sussurram,

como se quem conta um segredo.


O espelho à frente me encara mudo,

seu reflexo dança sem me pertencer.

se não há máscara,

como vou me esconder?


As faces sem rosto me julgam

me usurpam, parece-me que o

convite fora uma armadilha,

cada olhar esconde uma navalha.


Sou diluído no breu do salão,

meu corpo, fragmentado,

sem nome, esquecido, um eco do passado.

Agora ninguém, outrora um fracassado.


As máscaras gargalham sem som,

com seu vazio sufocante

padeço, desfaleço,

anunciam a morte deste errante.


O baile continua, indiferente

desavisados, chegam mais convidados

"MAS E EU?" Agora um fantasma,

a dançar a valsa do diabo.


(Fernando M.) 

quinta-feira, 17 de abril de 2025

A morte do Nunca




Morreu o Nunca — sem velas, sem pranto,

num suspiro doce, entre sonho e encanto.

Ninguém sentiu falta do que nunca foi,

mas o mundo sorriu quando ele se foi.


Em seu túmulo florido, brotou o talvez,

e com o amanhã dançou uma última vez.

Cansado de si, calou-se o Impossível,

e o agora sorriu por seu fim tão sensível.


O mundo sabia: algo mudou.

O medo do erro, enfim, se calou.

Cresceu em meu peito um silêncio sereno,

feito espaço vazio — fértil e pleno.


Da morte do Nunca, o Sempre nasceu,

não como promessa, mas algo que é meu.

A cada escolha, um planeta a girar,

na roleta do tempo que insiste em amar.


A morte do Nunca, Jamais foi encontrado:

o Nunca caiu — enfim libertado.

Da entropia, do acaso, da sombra e da luz,

floresce a vida — sem começo ou cruz.


(Fernando M.)

sexta-feira, 11 de abril de 2025

A hora do demônio




Três e trinta,

a lua cheia irradia,

escutou o eco da noite,

sentiu gelar sua espinha,

não conseguia mais dormir.

Levantou-se e abriu a janela

sentiu um vento forte

ecoando em tom funesto,

o relógio martelava os segundos

como pregos que perfuram fundo.

Os olhos refletiam a lua

outrora dourada como a aurora,

agora soturna, um augúrio profundo,

sentou-se na cadeira,

tamborilava os dedos na mesa

Por quê estava tão inquieto?

Três e trinta e três,

o dourado lunar agora é um mar de sangue

com fendas negras pulsantes

escutou uma voz rasgando o silêncio

com um sorriso estridente.

O chão tremeu sob seus pés,

sombras escorriam pelas paredes,

longos dedos das sombras se estendem,

O relógio já não mais bate segundos—

um silêncio, viscoso, irreversível.

Os ponteiros girando ao contrário,

pareciam desenhar um símbolo.

Três e trinta e quatro,

tomado por desespero, correu para a porta

precisava confirmar se era real ou pesadelo,

a maçaneta não girava e o ambiente

encolhia, parecia que apertava.

Tentava gritar e não conseguia

então rezou três Ave Marias.

Sentiu um nó na garganta,

A voz não saía, até que a noite se desfez.

Deitado em sua cama, abriu os olhos,

balançava a cabeça e girava os olhos em agonia.

Mas não havia mais nada,

O relógio ainda martelava,

eram três e trinta e cinco,

e a lua ainda brilhava dourada.



(Fernando M.)